Título: Polipose intestinal complicada com perfuração: será que as aparências iludem?
Autores: Joana Camões Neves, Dalila Costa, Pedro Leão, Bruno Arroja, Raquel Gonçalves
Resumo do caso:
Homem, 43 anos, ex-fumador, com antecedentes de síndrome de Wolff-Parkinson-White e hernioplastia inguinal esquerda, recorreu ao serviço de urgência (SU) por dor abdominal difusa tipo cólica, diarreia (máximo de seis dejeções diárias, sem sangue ou muco), astenia e perda de peso de 16kg, com 3 meses de evolução. Ao exame físico, hemodinamicamente estável, apirético, com abdómen doloroso à palpação generalizada, sem sinais de irritação peritoneal (SIP). Analiticamente, apresentava anemia microcítica, hipocrómica (hemoglobina 7,2 g/dL), ferropenia, sem elevação dos parâmetros inflamatórios. Colonoscopia revelou mucosa do cólon transverso, descendente e sigmóide com edema, ulceração e com aspeto pseudopolipoide. Mucosa do reto sem alterações (Figura 1). Histologicamente, distorção arquitetural e infiltrado linfoplasmocítico.
Figura 1: Colonoscopia a revelar edema e ulceração da mucosa, com aspeto pseudopolipoide, do cólon transverso (a), descendente (b) e sigmóide (c)
O exame parasitológico, microbiológico das fezes e a pesquisa de antigénio Clostridioides difficile foram negativos. Enterografia por ressonância magnética (Entero-RM) demonstrou espessamento parietal do cólon transverso, descendente e sigmóide, sem alterações das ansas do delgado. Por suspeita de colite ulcerosa (CU) inaugural teve alta medicado com prednisolona em esquema de desmame, messalazina (3g) e azatioprina (100mg).
Após um mês de terapêutica, recorreu novamente ao SU por persistência dos sintomas. Analiticamente, anemia (Hg 11.4g/dL), sem leucocitose e elevação da PCR (19 mg/dL). Ecografia abdominal com espessamento do cólon descendente e sigmóide. Na retosigmoidoscopia (RSC), mantinha as alterações endoscópicas previamente descritas e as biópsias foram compatíveis com pólipos hiperplásicos. Apresentou melhoria clínica após ajuste da corticoterapia e teve alta medicado com prednisolona (em desmame), azatioprina com dose otimizada (200mg), messalazina (3g), ácido fólico e ferro.
Uma semana depois, o doente recorreu ao SU por dor abdominal difusa e intensa. Ao exame físico, a destacar febre (38.9ºC), abdómen distendido doloroso à palpação, com SIP. Analiticamente, subida dos parâmetros inflamatórios (leucocitose 24200/uL com neutrofilia 22200/uL e PCR 184 mg/L), anemia (11.6 g/dL) e trombocitose (490000/uL). Radiografia abdominal com níveis hidroaéreos e tomografia computarizada (TC) abdomino-pélvica relevou espessamento parietal extenso do cólon sigmóide associado a densificação da gordura envolvente e bolhas de gás extra-luminal (Figura 2), compatível com perfuração do cólon sigmóide.
Figura 2: TC abdomino-pélvica com achados sugestivos de perfuração do cólon sigmóide.
Foi submetido de imediato a colectomia subtotal, com preservação do reto, e ileostomia de proteção. Histologicamente, a peça operatória revelou parede cólica com múltiplos pólipos hiperplásicos/hamartomatosos com área focal de infiltrado inflamatório polimórfico transmural associado a perfuração da parede. Não foram evidentes aspetos morfológicos sugestivos de doença inflamatória intestinal (DII) (Figura 3). Em segundo tempo, realizada cirurgia de reconstrução do trânsito gastrointestinal, com anastomose ileocólica.
Figura 3: Peça de colectomia subtotal, com área de perfuração (assinalada pela seta) e ocupação da mucosa por pólipos de arquitetura vilositária.
Tendo em conta os dados descritos, qual o diagnóstico mais provável?
Colite infeciosa
Doença inflamatória intestinal
Síndrome de polipose serreada
Polipose adenomatosa familiar
Síndrome de Peutz-Jeghers
O doente realizou teste genético para síndromes associados a polipose, que foi negativo. Manteve-se assintomático e sem medicação durante um follow-up de 4 anos, momento em que iniciou quadro de diarreia crónica com muco, sem sangue, e tenesmo. Colonoscopia revelou apagamento do padrão vascular, eritema, friabilidade e ulceração da mucosa. As biópsias foram compatíveis com CU. Iniciou tratamento com Infliximab 5mg/kg, com remissão clínica e endoscópica.
Discussão do caso
O desenvolvimento de pseudopólipos inflamatórios é frequente na CU. Podem surgir na fase ativa ou inativa da doença, de forma localizada ou generalizada; mas predominam na CU em remissão, na sequência da cicatrização da mucosa após inflamação crónica. O controlo da atividade inflamatória pode associar-se à redução dimensional dos pólipos1 e não é considerada uma condição pré-maligna.
No caso descrito, o doente apresenta um quadro de pseudopolipose inflamatória com atividade inflamatória extensa no diagnóstico inicial da CU. Na literatura, são raros os casos descritos, mas curiosamente é possível salientar algumas semelhanças, tais como: a gravidade clínica na admissão, a extensão e a atividade endoscópica1-2 e, com maior frequência, são descritas complicações, como estenose3 ou perfuração2, mesmo na ausência de megacólon tóxico. Neste caso, verificou-se a ocorrência de perfuração cólica, podendo a corticoterapia ter favorecido esta complicação.
A etiologia constituiu um desafio, pois apesar da suspeita inicial de CU, a ausência de atividade inflamatória no reto e a evidência dos achados cirúrgicos e histológicos, sugeriram outras hipóteses de diagnóstico. Os autores consideram relevante distinguir a polipose inflamatória de outros síndromes de polipose intestinal (Síndrome de polipose serreada, polipose adenomatosa familiar, Síndrome de Peutz-Jeghers), que são entidades diferentes, que requerem tratamentos e vigilâncias distintas.
Este caso desafiante de CU revela a pseudopolipose inflamatória como uma manifestação inaugural potencialmente grave e destaca a importância de um diagnóstico diferencial precoce para um tratamento adequado célere para prevenir complicações como a perfuração cólica.
Referências
Yamada, Keisuke, et al. "Filiform polyposis in ulcerative colitis." Polish Archives of Internal Medicine 129.3 (2019): 199-200. https://doi.org/10.20452/pamw.4416
Feng, Jin-Shan, et al. "Ulcerative colitis with inflammatory polyposis in a teenage boy: a case report." World Journal of Gastroenterology: WJG 21.3 (2015): 1044. doi: 10.3748/wjg.v21.i3.1044
Monteserín, Luzdivina, et al. "Colonic pseudopolyposis in inflammatory bowel disease." Gastroenterologia y Hepatologia 40.5 (2016): 375-376. https://doi.org/10.1016/j.gastrohep.2016.11.001