Título: Um Caso Peculiar de Estenose do Cólon Com Diagnóstico e Tratamento Apenas Resolúveis por Cirurgia
Autores: Margarida Portugal¹, Marta Eusébio¹, Bruno Peixe¹, Tânia Gago¹, Florissandra Santos² 1 – Serviço de Gastrenterologia, Unidade Local de Saúde do Algarve - Hospital de Faro 2 – Serviço de Cirurgia Geral, Unidade Local de Saúde do Algarve - Hospital de Faro
Descrição do caso: Mulher, 72 anos, caucasiana, com antecedentes de colostomia em ansa (sigmoide) efetuada há 5 meses noutra instituição por doença fistulizante perianal complexa. Admitida no serviço de urgência por dor abdominal e edema do estoma. Objetivamente, destacava-se apirexia, estoma edemaciado e ruborizado, com dor à palpação abdominal peri-estoma e colostomia com estenose ao toque e drenagem de conteúdo purulento de cheiro fétido. À inspeção anal, identificava-se orifício fistuloso, sem drenagem e sem tumefação nesta região. Analiticamente apresentava anemia normocítica normocrómica (Hemoglobina 10,9g/dL) e elevação dos parâmetros inflamatórios (leucocitose 12,7g/dL; PCR 31mg/dL). Fez TC abdominopélvica que evidenciou marcado espessamento do cólon sigmoide com hiperrealce mucoso, densificação da gordura adjacente e divertículos no cólon proximalmente a estas alterações. Sem líquido peritoneal ou abcessos.
Realizou colonoscopia através do estoma que mostrou estenose com mucosa edemaciada e ulcerada, com cerca de 4 cm de extensão, franqueável com o gastroscópio. A montante, até aos 13 cm da margem do estoma, a mucosa apresentava apagamento do padrão vascular, congestão e áreas ulceradas. Restante mucosa até íleo terminal normal excetuando divertículos sem sinais inflamatórios. Realizada biópsias que mostraram inflamação crónica linfoplasmocitária, tecido de granulação, sem displasia ou carcinoma.
Do estudo previamente efetuado para a investigação da doença perianal incluindo TC abdominopélvica, RMN pélvica e colonoscopia esquerda (com progressão até ao reto por má preparação) não foram evidenciadas lesões na mucosa ou parietais à exceção das fístulas perianais já conhecidas. Radiografia do tórax, IGRA, serologias virais, B2 microglobulina e marcadores tumorais sem alterações. Dada a colostomia não funcionante, a doente foi submetida a hemicolectomia esquerda com confeção de nova colostomia.
O resultado anatomopatológico revelou, por macroscopia, tumor úlcero-vegetante com 9 cm de extensão circunferencial, com invasão da subserosa e áreas de aspeto necrótico. Na restante mucosa, identificaram-se múltiplos divertículos, sendo que o tumor aparentava estar em relação com divertículo perfurado. Por microscopia, a lesão tumoral correspondia a infiltrado inflamatório (linfócitos, plasmócitos, histiócitos e eosinófilos) e células fusiformes, com múltiplos focos de necrose e ulceração da mucosa. Sem atipia celular. Margens cirúrgicas sem lesão. Gânglios sem metástases. Imunohistoquímica positiva para actina, desmina, AE1/AE3 e, embora focal, positiva para ALK e negativa para S100, CD34 e CD117.
Qual é o diagnóstico mais provável para esta doente?
Carcinoma colorretal
Doença de Crohn
Tumor miofibroblástico inflamatório
Colite isquémica
Diverticulite aguda
Discussão do caso: A lesão tumoral apresentava características de tumor miofibroblástico inflamatório (TMI). No seguimento a curto prazo a doente apresenta-se assintomática. O TMI é uma neoplasia mesenquimatosa rara. Caracteriza-se pela proliferação de células fusiformes, com fibroblastos e miofibroblastos, acompanhado por infiltrado inflamatório crónico constituído por linfócitos, plasmócitos, eosinófilos e histiócitos. Afeta habitualmente população mais jovem, mas pode ocorrer em qualquer idade. Apesar de mais descrito no pulmão, pode atingir outras localizações nomeadamente bexiga, mesentério e cólon. A sua etiologia permanece desconhecida, embora exista a descrição de associações com infeção, trauma e cirurgias prévias. Para além disso, a translocação do gene ALK está documentada em aproximadamente 50% dos TMI. A apresentação clínica varia de acordo com a sua localização. Geralmente, apresenta sintomas inespecíficos. No caso de tumores intra-abdominais pode acompanhar-se de dor abdominal, massa palpável, alteração do padrão intestinal e perdas hemáticas. Devido ao amplo espetro de manifestações radiológicas e comportamento clínico inespecífico, os TMI são difíceis de diagnosticar, mimetizando outras lesões reativas e/ou inflamatórias e neoplásicas. O tratamento de eleição é a resseção cirúrgica. O diagnóstico definitivo apenas é obtido após estudo histológico e imunohistoquímico da peça operatória. O exame macroscópico revela, habitualmente, lesões sólidas, multilobuladas, de cor castanho-acinzentado-rosado, frequentemente caracterizadas por um padrão de crescimento expansivo, raramente infiltrativo, com extensão variável de necrose, hemorragia e calcificações. O prognóstico, na maioria dos casos, é favorável. De forma menos frequente, os TMI podem recidivar e apresentar potencial metastático. Os fatores que determinam a sua agressividade são o tamanho e a idade do doente. Em doentes mais jovens e com tumores de menores dimensões existem melhores taxas de sobrevivência. A vigilância clínica contínua é essencial devido ao risco de recidiva. Apresenta-se este caso pela sua raridade, peculiaridade e complexidade diagnóstica. Da revisão da literatura, não existem casos descritos de TMI associados a colostomia. Questiona-se se a cirurgia prévia/presença de divertículos possam ter acrescentado risco para o seu aparecimento. A associação TMI do sigmoide com doença perianal não está descrita, permanecendo em estudo etiológico esta última patologia.
Referências:
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