Hematoma do mesocólon – vigiar ou intervir?
Autores: Inês Sampaio da Nóvoa Miguel, Sofia Pina, Beatriz Silva Mendes, Juan Rachadell, Miguel
F. Cunha, Edgar Amorim, Mahomede Americano
Serviço de Cirurgia Geral 2 - Grupo de Cirurgia Colorretal do Centro Hospitalar Universitário do Algarve – Unidade de Portimão.
Doente do sexo feminino, 23 anos de idade, trazida ao Serviço de Urgência (SU) após acidente de viação de alta cinética, com embate frontal de veículo ligeiro (condutora).
À avaliação inicial apresentava-se consciente e orientada, eupneica em ar ambiente, hemodinamicamente estável (tensão arterial 118/61mmHg, frequência cardíaca 79bpm), com pele e mucosas coradas e com tempo de reperfusão capilar inferior a dois segundos. Ao exame abdominal apresentava abdómen mole e depressível, indolor à palpação e sem sinais de irritação peritoneal. Sem dismorfismos ou lesões visíveis, nomeadamente hematomas ou “sinal do cinto de segurança”.
Como antecedentes a referir apendicectomia prévia, sem outra patologia conhecida, medicação habitual ou alergias.
Foi inicialmente avaliada em sala de emergência, onde realizou ecoFAST, sem evidência de líquido livre intra-abdominal ou outras alterações de relevo.
Realizou radiografia de tórax, abdómen e bacia, não apresentando evidência de hemopneumotórax, fractura de arcos costais ou outras alterações.
Analiticamente sem anemia (Hemoglobina 14.1g/dL – valor de referência 12-16g/dL), leucocitose 21,6 x 109/L (valor de referência 4,5-11 x 109/L), trombocitose ligeira 443 x 109/L (valor de referência 150-400 x 109/L), estudo da coagulação e bioquímica sem alterações.
Permaneceu em vigilância no serviço de urgência tendo iniciado, 4 horas após a admissão, quadro de dor abdominal na fossa ilíaca esquerda, associado a náuseas.
Foi feita reavaliação clínica mantendo-se hemodinamicamente estável, no entanto apresentando alterações de novo ao exame abdominal, com empastamento doloroso na fossa ilíaca esquerda, sem defesa ou sinais de irritação peritoneal.
Tendo em conta as alterações do estado clínico, qual a abordagem?
- Manter vigilância
- Realização de outros exames complementares de diagnóstico (laboratoriais / imagiológicos)
- Intervenção cirúrgica (laparotomia / laparoscopia)
Pela estabilidade hemodinâmica da doente, optou-se pela repetição de exames laboratoriais, que de valorizar apresentavam um decréscimo do valor de hemoglobina para 12.6 g/dL. Optou- se ainda pela realização de estudo imagiológico - tomografia computorizada (TC) abdominal e pélvica com contraste endovenoso:
Opção realizada: Realização de outros exames complementares de diagnóstico (laboratoriais / imagiológicos)
Com os achados em TC, qual o diagnóstico mais provável?
- Hematoma retroperitoneal com hemorragia activa
- Perfuração de víscera oca
- Hematoma pélvico com hemorragia activa
- Ruptura de quisto ovárico com hemorragia activa
- Hematoma do mesocólon com hemorragia activa
A TC abdominal e pélvica realizada com contraste endovenoso em fase arterial e venosa, documentou a existência de uma coleção na fossa ilíaca esquerda espontaneamente hiperdensa, consistente com hematoma do mesocólon sigmóide com 6,0 x 8,4 x 5,4 cm, com hemorragia activa de baixo débito, sem evidência de hemo/pneumoperitoneu.
Opção realizada: Hematoma do mesocólon com hemorragia activa
Após os achados da TC, qual a conduta a tomar?
- Vigilância / Manter tratamento conservador
- Radiologia de intervenção (embolização)
- Intervenção cirúrgica (laparotomia / laparoscopia)
Tendo em conta a estabilidade hemodinâmica do doente optou-se por internamento em Unidade de Cuidados Intensivos (Nível II) para monitorização continua. Foi realizada reavaliação analítica e imagiológica 6 horas após admissão, mantendo-se estabilidade do referido hematoma, sem hemorragia activa.
O caso foi continuamente discutido multidisciplinarmente com os colegas de radiologia de intervenção (valência não disponível à data do caso clinico na nossa instituição), que consideraram não apresentar indicação de angio-embolização, tendo em conta a estabilidade hemodinâmica e a hemorragia de baixo débito.
Durante a permanência na UCI não foi necessário suporte hemodinâmico ou transfusional, tendo sido transferida para enfermaria de cirurgia geral 48 horas após a admissão, tendo alta ao 6º dia após admissão hospitalar.
A doente manteve seguimento em consulta externa de cirurgia, tendo permanecido assintomática e com reabsorção completa do hematoma em TC abdominal de controlo aos 12 meses.
Opção realizada: Vigilância / Manter tratamento conservador
Discussão:
As lesões do mesentério estão descritas em até 5% dos casos de traumatismo abdominal fechado. Dentro destas, as lesões do mesocólon são as mais raras, com uma incidência estimada de 0,1 a 0,5%.3 Para o seu diagnóstico é necessária uma elevada suspeição clínica, uma vez que estas podem ter uma apresentação tardia e pouco específica, passando despercebidas à avaliação clínica inicial.1,2,3
Os exames imagiológicos, são essenciais no diagnóstico dos hematomas do mesocólon, sendo a tomografia computorizada considerada o gold-standard na avaliação destas lesões. Quando são detetadas apenas alterações inespecíficas do mesentério/mesocólon, o score de BIPS (The Bowel Injury Prediction Score) poderá ser utilizado para predizer a probabilidade deste tipo de lesões. De acordo com as alterações apresentadas, o score de BIPS poderá servir como indicador precoce da necessidade de intervenção cirúrgica.6
Após o diagnóstico, a abordagem do doente com hematoma do mesocólon depende da estabilidade hemodinâmica e da presença de lesões concomitantes.2,5 Na ausência de outras lesões, em doentes hemodinamicamente estáveis, a abordagem deverá passar por vigilância ativa e tratamento conservador.2,5 Nestes casos a monitorização contínua é mandatória, permitindo a identificação precoce de alterações clínicas, que possam justificar a realização de novos meios complementares de diagnóstico e a mudança da estratégia terapêutica.1,5
A reavaliação dos hematomas do mesocólon, deverá ser realizada às 6 horas após o seu diagnóstico com a repetição de TC abdominal e pélvica.7 Em situações de estabilidade hemodinâmica, mas com evidência de hemorragia ativa pode ser considerada a embolização arterial guiada por angiografia.4
Por outro lado, em doentes hemodinamicamente instáveis, ou na presença de complicações (isquémia ou perfuração intestinal), está indicada a intervenção cirúrgica urgente, por via laparotómica ou laparoscópica.5 (Tabela 1)
*TC - Tomografia Computorizada; UCI - Unidade de Cuidados intensivos nível II / nível III
Tabela 1: Abordagem ao hematoma do Mesocólon.
O hematoma do mesocólon é uma entidade rara e desafiante. A sua apresentação clínica é muitas vezes silenciosa e o aparecimento de sintomas tardios dificulta o seu diagnóstico. O presente caso salienta a importância de uma abordagem multidisciplinar e individualizada do doente.
Bibliografia:
- Corzo C, Murdock A, Alarcon L, Puyana JC. Mesenteric Hematoma: Is there a role for elective management? The American Surgeon. 2016; 82(4):314-318
- Basukala S, Tamang A, Sharma S, Bhusal U, Pathak B. Successful conservative management of a large traumatic mesenteric hematoma: a case report. International Journal of Surgery Case Reports. 2022; 93:106930
- Shareef B, Jurushi R, Saleh N. Delayed presentation of an isolated sigmoid Colon injury following blunt abdominal trauma: A case report with review of literature. International Journal of Surgery Case Reports. 2021; 83:105989
- Stewart RM, et al. ATLS Advanced trauma life support - student course manual. 10th Edition. Chicago: American College of Surgeons; 2018. p.9
- Lee N, Jeong E, Jang H, Park Y, Jo Y, Kim J. Nonoperative management of colon and mesocolon injuries caused by blunt trauma: Three case reports. Journal of Trauma and Injury. 2022; 35(4):291-296
- McNutt MK, Chinapuvvula NR, Beckmann NM, Camp EA, Pommerening MJ, Laney RW, et al. Early surgical intervention for blunt bowel injury: The Bowel Injury Prediction Score (BIPS). Journal of Trauma and Acute Care Surgery. 2015; 78(1):105-111
- Smyth L, Bendinelli C, Lee N, Reeds MG, Loh EJ, Amico F, et al. WSES Guidelines on blunt and penetrating bowel injury: diagnosis, investigation and treatment. World Journal of Emergency Surgery. 2022; 17:13