SÓCIOS
Abril 2024

CASO CLÍNICO DO MÊS 

Cólon direito: hemorragia ou obstrução?

Right colon: bleeding or obstruction?
Martins Ana B. 1; Mendes Joana1; Côrte-Real Francisca2; Costa Santos Maria Pia2; Freitas António1; Acosta Diogo1; Ponte Pedro1; Elói Teresa A. 1; Leite Maria I. 1
  1. Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Divino Espírito Santo de Ponta Delgada
  2. Serviço de Gastrenterologia do Hospital Divino Espírito Santo de Ponta Delgada
 
RESUMO
Lipomas cólicos são uma entidade pouco frequente. Podem ser assintomáticos e se sintomáticos podem provocar dor abdominal, alteração do trânsito intestinal, hemorragia ou até mesmo invaginação. Podem ser um achado incidental durante uma colonoscopia ou outro método de imagem. O seu diagnóstico definitivo é dado pela histopatologia. O tratamento pode ser endoscópico ou cirúrgico sendo que, dentro do cirúrgico deve ser de forma minimamente invasiva, sempre que possível.
Palavras-chave: lipoma cólico sintomático, laparoscopia
 
ABSTRACT
Colonic lipomas are an uncommon entity. They can be asymptomatic and if symptomatic they can cause abdominal pain, changes in bowel habits, bleeding or even intussusception. They may be an incidental finding during a colonoscopy or other imaging method. Definitive diagnosis is given by histopathology. Treatment can be endoscopic or surgical, and within surgery it should be minimally invasive whenever possible.
Key words: symptomatic colic lipoma, laparoscopic
 
 
INTRODUÇÃO
Os lipomas do trato gastrointestinal são uma entidade rara descrita pela primeira vez por Baurer em 1757. Os lipomas cólicos, com origem no tecido adiposo, são tumores não epiteliais benignos extremamente raros. São mais comuns a nível do cego e cólon ascendente. 1 Lipomas cólicos com dimensão > 50 mm são designados de lipomas gigantes.  Podem ser assintomáticos e, normalmente o aparecimento de sintomas está associado ao seu tamanho. Quando sintomáticos, causam alteração do trânsito intestinal, dor abdominal, hemorragia ou invaginação, sendo esta última mais comum no caso de lipomas gigantes. 2,3,4 O diagnóstico diferencial destes tumores com métodos de imagem pré-operatórios é muito importante para determinar a opção de tratamento mais adequada nesses pacientes.5
 
CASO CLÍNICO
Mulher de 72 anos. Antecedentes pessoais de fibrilhação auricular hipocoagulada com dabigatrano, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes mellitus tipo II e obesidade. Seguida na consulta de Gastrenterologia por anemia ferropénica, em estudo, com provável ponto de partida em angiodisplasia do cego com necessidade de terapêutica endoscópica desde 2022. No último estudo endoscópico de 2022 foi visualizado um lipoma do ângulo hepático de pequenas dimensões, ultrapassável pelo colonoscópio.
Em julho de 2023, a doente recorreu ao serviço de urgência por hematoquézia, associada a descida da hemoglobina e sem parâmetros inflamatórios. Foi realizado estudo endoscópico com progressão até ao cólon transverso onde se observava invaginação da mucosa do cólon, de coloração amarelada com ocupação quase total do lúmen, sendo inultrapassável. (Fig.1)  

 
 
Figura 1  - Estudo endoscópico.
 
Tendo em conta este resultado, foi pedido TC Abdominopélvico que evidenciou lesão intraluminal a nível do ângulo hepático com cerca de 50 mm de maior eixo, sem adenopatias suspeitas (Fig.2).

 
Figura 2  - TC Abdominopélvico.
 
Após discussão multidisciplinar, tendo em conta o provável lipoma cólico do ângulo hepático e a angiodisplasia do cego sintomática, optou-se por propor à doente a realização de hemicolectomia direita laparoscópica de forma a solucionar ambas as patologias. A cirurgia decorreu sem intercorrências anestésico-cirúrgicas. O internamento decorreu sem intercorrências e a doente teve alta ao 5º dia pós-operatório. A anatomia patológica da peça revelou a presença de dois lipomas submucosos, um em placa com 18 x 7 x 7 mm e um polipoide com 55 x 30 x 22 mm. No cego foram identificados vasos sanguíneos tortuosos e dilatados, achados compatíveis com o diagnóstico de angiodisplasia. Os 35 gânglios da peça cirúrgica tinham estrutura preservada, sem presença de neoplasia.

 
 
  
Figura 3  - Peça macroscópica com evidência de lipoma polipoide.
 
 
A doente mantém seguimento na consulta, com melhoria da anemia, sem novos episódios de hematoquézias e sem evidência de recidiva.
 
DISCUSSÃO
Os lipomas sintomáticos do cólon são extremamente raros e, normalmente, são uma lesão única. Estudos em autópsia demonstraram que os lipomas do cólon são observados em 0,2-4,4% da população geral e constituem 1,8% de todas as lesões benignas do cólon. 6 Geralmente são assintomáticos, por isso são frequentemente achados incidentais na colonoscopia, cirurgia ou mesmo autópsia. São mais prevalentes em mulheres do que em homens e ocorrem em maior frequência entre os 50 e os 60 anos. 7 Cerca de 90 % dos lipomas cólicos são submucosos, ao passo que 10% são subserosos. 5 Embora difíceis de diagnosticar, com a colonoscopia e TC existem alguns aspetos característicos que levantam a suspeita deste diagnóstico. No caso do lipoma submucoso, a colonoscopia pode visualizar diretamente o lipoma. No TC, os lipomas são vistos como lesões arredondadas com densidade semelhante à do tecido adiposo e o seu aspeto imagiológico é praticamente diagnóstico 8, 9 O diagnóstico definitivo é dado através do exame histopatológico. Microscopicamente é observado um tumor constituído por células adiposas maduras com uma membrana mucosa a delimitar a superfície com uma fina cápsula fibrosa imediatamente abaixo. 10 O tratamento dos lipomas cólicos varia de doente para doente, dependendo do tamanho do lipoma, da sua localização, se é sintomático ou não, do diagnóstico definitivo no pré-operatório e quais as opções de tratamento disponíveis (endoscopia, cirurgia aberta ou minimamente invasiva). 11, 12 Existem publicações na literatura que defendem que lipomas assintomáticos com dimensão até 2-2,5 cm podem ser removidos por colonoscopia. 13 Dentro da abordagem cirúrgica, pode ser realizada resseção segmentar, enucleação com colotomia ou hemicolectomia dependendo de múltiplos fatores pré-operatórios e dos achados intra-operatórios. 14 Embora possa ser realizada cirurgia convencional, há estudos a relatar que a cirurgia minimamente invasiva é superior à cirurgia convencional mesmo em casos de invaginação, se as condições forem adequadas. 15 Há uma série de casos relativa a lipomas cólicos com 57% dos doentes a serem abordados por laparoscopia e 43% a serem submetidos a remoção do lipoma via laparotómica, em que a média de internamento foi de 7 dias. Os autores defendem que a abordagem cirúrgica minimamente invasiva é a preferível para resseção de lipomas cólicos sintomáticos sempre que haja uma equipa cirúrgica experiente e sempre que o paciente seja elegível.  16
 
CONCLUSÃO
A exérese cirúrgica de lipomas sintomáticos de grande dimensão do cólon é necessária, não só para exclusão de malignidade, mas também para a prevenção de possíveis complicações. Idealmente, em doentes com este diagnóstico, deve ser escolhida uma abordagem minimamente invasiva associada a menor morbilidade e uma recuperação mais rápida. 
 
 
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