SÓCIOS
Fevereiro 2023

CASO CLÍNICO DO MÊS

Neoplasia mista neuroendócrina e não-neuroendócrina do cólon descendente - apresentação de um caso clínico e revisão da literatura

João Pedro Araújo Teixeira1, Elisabete Campos1, Jorge Nogueiro1, Ana Rita Coelho2, Ana

Azevedo1, Alexandre Duarte1, Raquel Portugal2, Elisabete Barbosa1

1 Serviço de Cirurgia Geral (Unidade de Cirurgia Colorretal) do Centro Hospitalar Universitário São

João, Porto

2 Serviço de Anatomia Patológica do Centro Hospitalar Universitário São João, Porto



Homem, 48 anos, sem antecedentes médicos ou cirúrgicos relevantes, apresenta-se no seu médico

de família por perda de peso involuntária (15kg), anorexia e fadiga com evolução de 2 meses. O

estudo analítico realizado revela elevação dos parâmetros de cito-colestase com hiperbilirrubinemia,

elevação da proteína C reativa e marcadores de citólise celular, sem outras alterações. Não foram

doseados os marcadores tumorais.

AST 259 U/L

ALT 166 U/L

FA 1044 U/L

GGT 1867 U/L

Bilirrubina total 3.9 mg/dL

Bilirrubina direta 2.3 mg/dL

PCR 177.7 mg/L

DHL 847 U/L

CK 299 U/L

É realizada uma ecografia abdominal que revela múltiplas lesões nodulares dispersas pelo

parênquima hepático, a maior medindo 65 mm, sugestivas de lesões secundárias e uma lesão na

forma de “pseudo-rim” medindo 56 mm, no cólon descendente, sugestiva de lesão neoplásica. A

colonoscopia confirma a presença de uma lesão neoformativa, estenótica, polipóide, ao nível do

ângulo esplénico, a cerca de 40 cm da margem anal. A TAC de estadiamento revelou metástases

hepáticas, pulmonares e ganglionares.

Após discussão em reunião de grupo oncológico, o doente foi proposto para tratamento paliativo.

Não foi possível a colocação de uma prótese endoscópica. Por agravamento do quadro suboclusivo,

o doente foi submetido a uma colectomia segmentar esquerda com colostomia terminal.

Posteriormente, foi integrado em esquema de quimioterapia paliativa.

A peça cirúrgica foi enviada para análise anatomopatológica. Macroscopicamente identificava-se uma

neoplasia polipóide de 5.3 x 3.8 x 2.3 cm, que ocupava 90% do lúmen intestinal. Ao exame

histológico observou-se uma neoplasia epitelial maligna mista, constituída por um componente com

características de carcinoma neuroendócrino de grandes células (70% da neoplasia) e um

componente de adenocarcinoma moderadamente diferenciado (30% da neoplasia), compatível com o

diagnóstico de MANEC - Mixed adeno-neuroendocrine carcinoma. No componente de carcinoma

neuroendócrino de células grandes observou-se expressão forte e difusa de sinaptofisina e CD56 e,

em raras células, de cromogranina. Neste componente, foram identificadas 69 mitoses/mm2 e um

índice proliferativo (Ki67) de 90%. Observou-se invasão da camada subserosa (pT3), e

identificaram-se imagens de invasão vascular linfática, venosa e perineural. Metástases do

componente neuroendócrino foram identificadas em 13 dos 18 gânglios linfáticos isolados e, num

deles, foi identificada metástase do componente de adenocarcinoma (N2b). Não se identificou

representação da neoplasia nas margens de exérese (R0). Não foram encontradas mutações

(wild-type) dos genes KRAS, NRAS ou BRAF.

Foram realizadas tomografias computadorizadas antes e depois do início da quimioterapia (figuras 1

e 2). Apesar da terapêutica instituída, observou-se progressão de doença com crescimento das

lesões prévias e implantes peritoneais de novo. Ao fim do 3º ciclo de quimioterapia, o doente é

admitido em choque sético com disfunção multiorgânica, acabando

Figura 1. Metastização hepática (pré-QT).

Figura 2. Reavaliação imagiológica após 3 ciclos de QT.


Figura 3. Peça cirúrgica de colectomia segmentar esquerda, na qual se identifica neoplasia polipóide, condicionando estenose do lúmen.


Figura 4. A - Neoplasia epitelial maligna mista, com componentes de adenocarcinoma moderadamente diferenciado e de carcinoma neuroendócrino de grandes células; B - Área de adenocarcinoma moderadamente diferenciado com focos de muco extracelular; Expressão forte e difusa de sinaptofisina (C) e em raras células de cromogranina (D) no componente de carcinoma neuroendócrino de grandes células.

Supracitado, é apresentado um caso de um MiNEN (mixed neuroendocrine and non-neuroendocrine

neoplasm) do cólon, uma entidade rara com incidência estimada de 0.01 a 0.5/100 mil casos por ano.

Relativamente a esta patologia e, em luz do exemplo acima, considere as seguintes questões:

1. Os MiNENs intestinais surgem mais frequentemente em que local do tubo digestivo?

  1. Estômago
  2. Duodeno
  3. Intestino delgado
  4. Apêndice


2. Relativamente ao tratamento dos MiNENs intestinais:

  1. A maioria dos doentes que se apresenta com doença localizada, não é candidata a cirurgia com intenção curativa.
  2. O esquema de quimioterapia escolhido deve ser dirigido ao componente histológico mais agressivo.
  3. Na presença de um MiNEN de baixo grau, a estratégica terapêutica é semelhante àquela utilizada no tratamento dos tumores neuroendócrinos pouco diferenciados.
  4. O tratamento cirúrgico com intenção paliativa ocorre em cerca de 50% dos doentes com diagnóstico inaugural.


3. Na presença de doença avançada, como no caso ilustrado, a sobrevida varia em média entre:

  1. 2 e 5 meses
  2. 5 e 10 meses
  3. 10 e 20 meses
  4. 20 e 30 meses


4. Classifique como verdadeiro ou falso as seguintes afirmações:

  1. A maioria dos MiNENs intestinais surge no género masculino.
  2. A maioria dos doentes apresenta doença localizada ao diagnóstico.
  3. Os MiNENs intestinais de alto grau são os mais frequentes.
  4. Os MiNENs intestinais de alto grau, geralmente, correspondem a massas ulcerativas, polipóides e com dimensão média de 5 cm.
  5. Segundo a OMS, a classificação de tumores neuroendócrinos depende apenas do grau de diferenciação histológica.
  6. O componente não neuroendócrino do MiNEN intestinal corresponde na maioria das vezes a um adenocarcinoma.
  7. A componente histológica dominante e o índice de proliferação são importantes fatores de prognóstico.
  8. Acredita-se que os MiNENs intestinais apresentem um comportamento mais indolente quando comparados com os carcinomas neuroendócrinos “puros”.
  9. O termo “MANEC” é restrito aos MiNENs do tubo digestivo.
 

Discussão:

Os MiNENs (mixed neuroendocrine and non-neuroendocrine neoplasms) correspondem a tumores mistos com componentes neuroendócrino (NE) e não-NE. Segundo a OMS, a classificação de MiNEN exige a presença de cada um destes componentes em pelo menos 30% da neoplasia, embora esta percentagem não seja consensual entre os diversos autores. São neoplasias que surgem mais frequentemente no tubo digestivo, embora possam surgir em qualquer órgão. O termo MANEC pode ser utilizado noutros órgãos e não é restrito ao tubo digestivo. O apêndice e o cólon são os locais mais afetados. São uma entidade rara, com incidência variável entre 0.01 a 0.5 por 100 mil casos por ano e atingem preferencialmente o género masculino (66%). Quanto à patofisiologia, acredita-se que cerca de 40% dos carcinomas neuroendócrinos de alto grau apresentem uma componente não-neuroendócrina associada (frequentemente um adenocarcinoma, mas também carcinomas epidermóides). Geralmente, o componente NE é determinante para o prognóstico e, de acordo com a OMS, a graduação depende do índice proliferativo (estimado pelo Ki67) e do índice mitótico.

La Rosa et la apresentam os MiNENs do tubo digestivo agrupados do seguinte modo:

Baseado na evidência mais recente, os MiNENs são altamente agressivos maioritariamente devido ao seu componente NE de alto grau pelo que o tratamento escolhido geralmente é semelhante àquele utilizado nos carcinomas neuroendócrinos puros (NEC). Em contrapartida, quando o componente exócrino é dominante ou mais agressivo, preconiza-se que o tratamento deva ser dirigido ao adenocarcinoma do tumor de origem. Não existem, contudo, ensaios randomizados prospetivos a comprovar esta evidência.

Ao diagnóstico, a maioria dos doentes apresenta doença localizada (81.6%) pelo que são candidatos a tratamento cirúrgico com intenção curativa (cerca de 66%) e apresentam uma sobrevida variável entre 14 e 75 meses. Nos casos de doença avançada, a metastização ocorre frequentemente no fígado e nos gânglios regionais e a sobrevida varia entre 10 e 18 meses. O tratamento médico e cirúrgico varia consoante o estadio da doença e é apresentado na Figura 5.

Para concluir, este corresponde a um caso clínico de muito mau prognóstico de apresentação inicial com doença muito avançada o que condicionou a estratégia terapêutica, médica e cirúrgica. Na presença de um MiNEN o doente deve ser referenciado a um centro de especialização e as diversas opções de tratamento devem ser discutidas tendo em conta o estadiamento clínico e histológico.


Figura 5. Estratégias terapêuticas sugeridas de acordo com o estadiamento do MiNEN em Mixed Neuroendocrine-Nonneuroendocrine Neoplasms (MiNENs): Unifying the Concept of a Heterogeneous Group of Neoplasms.


 

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